Devon Clarky entrou na sala e logo se
deparou com seu sócio e mentor parado de costas para ele, atrás de sua mesa,
olhando para a coleção de livros organizados meticulosamente nas prateleiras da estante.
_E então? _ disse Donovam sem nem olhar
para Clarky.
Devon olhou para o relógio e respondeu:
_ A esta hora Cortez já não é mais um
problema.
_ Tem certeza?
_ Sim; eu estava lá. Vi o momento quando
Vesúvio chegou e subiu direto para o apartamento do espanhol; não demorou
muito, cerca de meia hora e ele saiu. Não estava acompanhado e pareceu bem
tranqüilo.
Donovam permanecia sem olhar para o outro,
parecia buscar algo entre os livros.
_ Excelente. Estamos chegando a um momento
crítico e não posso me dar ao luxo de errar; há muitas pontas soltas e detesto
não ter o controle das coisas, de fato, você é a única pessoa em quem ainda
posso me apoiar.
Devon acompanhava Donovam já fazia alguns
anos e nunca tinha de verdade conquistado a confiança dele, Donovam o mantinha
sempre por perto porque ele era um homem disposto a tudo para ser iniciado nos
segredos antigos. Donovam por outro lado, sabendo disso, o manipulava e explorava o máximo
possível, mas nunca teve a real vontade de tornar o sócio em seu aluno ou de
indicá-lo para ser tutelado por alguém.
Donovam perguntou:
_ E quanto a Phyros, onde ele está?
Clarky se retesou um pouco, não tinha uma
notícia muito boa para entregar no tocante ao carrasco. Respondeu.
_ Ainda não sei; está desaparecido; o
deixei ontem na casa do pastor com quem o arauto fez amizade, vi o momento
em que Alam chegou, falei com ele e em seguida fui embora.
Donovam estava há muito tempo sem notícias
de Phyros, não sabia ao certo se ele tinha cumprido a missão de eliminar Alam e
os outros. Ele finalmente virou-se para olhar frente a frente o outro
executivo; retirou um papel de dentro da gaveta da mesa logo que se sentou e
fez sinal para que Devon sentasse também.
O telefone tocou.
Donovam atendeu rapidamente, deixando
transparecer um pouco de ansiedade, era muito raro, mas por vezes quando estava
próximo de uma manobra muito grande ele se permitia sentir uma pequena dose
daquele sentimento, era prazeroso.
A voz no telefone era inconfundível;
Vesúvio.
_ Cortez já não é mais problema.
_ Tem certeza?
_ É claro que tenho. Prossiga com o plano
e mantenha-me informado sobre todos os avanços; agora que você me fez sujar as
mãos estou atolado nisso também até o final e vou cobrar os resultados.
Vesúvio estava experimentando duas
sensações naquele momento, queria um pouco de tempo para pensar se devia dar o
troco em seu aluno por tê-lo exposto daquela forma ou se pagava para ver e o
apoiava de uma vez por todas.
Ir ao apartamento do mago espanhol em
pleno dia para dar cabo dele era algo que um mestre do círculo interno nunca
poderia fazer, geralmente esse tipo de ação era colocada nas mãos dos
assassinos ou de sombras. As sombras são pupilos treinados especialmente para
ações mais agudas, como o próprio Phyros.
Na ordem vermelha tudo é possível e
permitido, contanto que ninguém ficasse sabendo; tudo devia ser feito sem deixar
vestígio algum, era muito comum mestres e até mesmo discípulos serem eliminados
por seus iguais que almejavam tomar seu posto e, ou, herdar seu prestígio, mas
nunca estas ações eram tramadas em aberto para os quatro ventos; nunca devia
ser declarado. Conspirações eram bem vistas desde que se mantivessem dentro de
suas próprias casas e nas sombras.
O fato era que, ir ao apartamento de
Cortez e eliminá-lo, podia se mostrar como uma lâmina de dois gumes, poderia
ser muito proveitoso se tudo corresse sem contratempos, mas se algum membro da
ordem descobrisse podia agir facilmente contra ele e sua casa; se alguém visse
Vesúvio perambulando pelos corredores ou no saguão do hotel e depois soubesse
da morte de Cortez, poderia facilmente ligá-lo ao fato e levar a informação para
os outros membros do círculo interno.
Por outro lado, caso tudo saísse bem; com
o maior opositor das ideias de Donovam fora do caminho, não haveria mais quem
ousasse confrontá-los e toda a resistência criada e fomentada por Juan
gradativamente seria sufocada de forma fácil sem um mentor intelectual. O
caminho estava aberto para finalmente a unificação e a consolidação do poder
único nas mãos de um só homem.
Feito isso, uma segunda parte do plano
devia ser concebida; Donovam desejava poder absoluto e assim que conseguisse
seu objetivo em Ottawa, cujo caminho já estava praticamente pavimentado pelos
esforços do arauto, trataria de solidificar as alianças que o levaram ao poder,
como o próprio Vesúvio, e punir exemplarmente aqueles que se colocaram contra
sua autoridade, tal como a guilda dos assassinos e alguns outros partidários da
segunda vertente.
Logo que fizesse isso, Donovam
planejava expandir seu controle gradualmente para o velho continente, onde a
grande maioria estava mais para a não-junção, principalmente aqueles residentes
nas proximidades do mar mediterrâneo; principalmente os magos gregos que já
nutriam por Donovam uma antipatia quase mortal desde que este juntamente com o
arauto destruíram e subjugaram a famosa casa de Prometeu, considerado pelos
magos gregos como o criador da ordem vermelha.
A casa do dragão do Norte se apoderou de
tudo o que pertencia a escola de prometeu, livros, pergaminhos antigos,
escritos filosóficos e um material em especial que Donovam adorava. Uma pequena
coletânea de cadernos contendo as mais variadas e sutis formas de venenos do
ocidente; desde os mais simples até os mais exóticos, catalogados segundo seu
grau de perigo, efeito e propósito.
_ Claro que vou mantê-lo informado._ disse
ainda falando ao telefone._ O tempo está passando por um gargalo e se torna
cada vez mais escasso, vou agir agora mesmo porque quando a morte de Cortez vir
a público, pelo menos dentro da ordem, serei o primeiro suspeito, mas sem
provas ninguém ousara dizer coisa alguma.
_ Então o que você pretende fazer.
_ Convocar um conclave; vou reunir todos
os representantes do concílio e reivindicar de uma vez por todas que o processo
de unificação se inicie oficialmente.
Desligando o telefone Donovam Sorriu
brandamente para Devon que observava a conversa e retirando outra folha de
papel de uma das gavetas em sua mesa disse:
_ Vou lhe dar um endereço, quero que você
vá até lá e veja se Phyros está recolhido neste local. Mandei que ele
terminasse a tarefa e esperasse novas ordens lá.
Donovam sacou uma caneta tinteiro do bolso
do paletó, uma Montblanc boheme royal pen, retirou a pequena tampa ornamentada em pequenos diamantes e rabiscou
o endereço completo na folha de papel. Em seguida empurrou a folha que deslizou
gentilmente sobre a mesa até que ela ficasse ao alcance do outro.
Devon recolheu a folha e olhou o que
estava escrito.
Donovam disse:
_ Memorize bem este endereço e me devolva
a folha.
Assim que Devon entregou novamente o papel
nas mãos de Draek, ele amassou-o, colocou dentro de um pequeno cinzeiro de
metal reluzente que havia sobre a mesa e com um movimento rápido da mão sobre o
papel amassado o fez pegar fogo.
Aquilo era o suficiente para aguçar os
sentidos de Clarky, que adorava ver magia sendo executada, porém, quase nunca
tinha esta oportunidade, mas Donovam usava destes pequenos artifícios para
manter o outro sempre motivado em obedecer as suas ordens sem questionamentos e
com uma lealdade cega. Funcionava bem.
Antes que Devon Clarky deixasse o recinto
Donovam o chamou e disse:
_ Preste muita atenção, as coisas agora
vão ficar um tanto sérias; você sabe que não tolero falhas nem covardia, mas
recompenso a lealdade. Diga ao carrasco que eu o chamarei e quando fizer isso
ele deve me encontrar no Labaredarium e deve estar pronto para tudo. Agora vá.
Assim que o “assistente” saiu, Donovam
começou seus preparativos para o concílio, deu alguns telefonemas e em seguida
começou a escrever o discurso que usaria para pedir formalmente o início da
unificação. Aquela era a parte que ele detestava, a burocracia, ter de ver sua
genialidade limitada pelo medo de mestres poderosos, mas antiquados, que não
passavam de homens sem visão, presos aos costumes antigos e às tradições sem
sentido. Por isso quanto mais se desenvolvia na hierarquia da ordem mais se
esbarrava em burocracia. Odiava aquilo, geralmente era o arauto quem cuidava
desta parte, mas era um esforço que em muito pouco tempo seria recompensado; os
membros do concílio não poderiam recusar seu pedido; apresentaria todos os
resultados conseguidos na época em que o arauto comandou as negociações com as
diversas casas da cidade; tudo estava de acordo e os assassinos não ousariam
tomar nenhuma postura contrária. Culparia Cortez pela morte dos líderes dos
assassinos e culparia a guilda pela morte de Cortez como uma retaliação ao
primeiro ataque. Mostraria que a única forma de ações desmedidas como aquelas
pararem; membros atacando membros abertamente, era com uma governança única, rígida e
capaz de manter as pessoas, por mais diferenças de ideias que pudessem ter, sob
o mesmo comando e obedecendo as mesmas regras. Regras estas que seriam
futuramente legisladas por ele.
Comentários
Postar um comentário