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A espada no lago. -- Capítulo 19




O dia estava tão corrido que Alam mal estava tendo tempo de fazer aquilo que pretendia; combinou que voltaria para buscar Cortez no hotel, mas antes resolveu ir até a casa ou o que restou da casa da família Ramos; tinha algo em mente que devia fazer para que na sua cabeça conseguisse de uma vez por todas se sentir livre de toda a influência da ordem vermelha. O lugar ainda estava isolado e agora não havia mais ninguém lá a não ser umas poucas pessoas passando pela rua e parando para ver como o fogo tinha feito um grande estrago.

Ao parar o carro Alam contemplou parte do que antes era a casa, mas que naquele momento parecia um esqueleto negro de um dinossauro; uma estrutura enorme e bizarra; ele pensava em como Phyros teria escapado do fogo e da casa já que os bombeiros não tinham encontrado nenhum corpo em meio a toda aquela bagunça; mesmo sendo um homem capaz de comandar as chamas como poucos, o carrasco não poderia resistir ao desabamento do piso superior sobre ele, pelo menos era isso que Alam imaginava, mas não se surpreenderia se por algum motivo estranho o carrasco também fosse dotado de mais capacidade física do que as pessoas comuns. Havia o boato de que a linhagem da família dele remontava a homens que no passado foram conhecidos como nephilins.

Esta era uma história citada muito superficialmente na bíblia e que o jovem conhecia muito bem mesmo antes de sua conversão recente; Donovam tinha herdado parte da fixação de Vesúvio com relação aos filhos dos anjos da antiguidade.

Nunca houve de fato uma prova que comprovasse essa suposta linhagem familiar angelical de Phyros, mas também não havia nada que negasse; podia ser uma espécie de marca ou mito criado pelo próprio Vesúvio, atual mentor de Phyros, para incutir medo nos adversários. Uma espécie de terror psicológico; muitos mestres usam deste artifício para que sua fama ganhe mais volume do que realmente eles merecem, alguns pupilos também se utilizavam dessa artimanha, e magos de todas as escolas ao redor do mundo também se aproveitam desse exercício; ganham fama de sábios quando tudo o que fazem e ficar de boca fechada em momentos cruciais. Aquela foi uma técnica que o próprio Alam utilizou muito principalmente no princípio de seus estudos. Portanto era muito provável que Vesúvio tenha criado a estória sobre a família de seu novo aluno. O certo era que Alam não sabia.

Segundo o relato bíblico, um grupo rebelde de anjos desafiou as regras da criação e contra todas as possibilidades desceram à terra para procriarem com mulheres humanas; a prole desta relação teria dado início a uma linhagem de homens acima do normal.

Mas nada naquela história servia para ele naquele momento; desceu do carro e caminhou pelo terreno em frente da casa, passou pela parte que estava isolada e foi para dentro do que um dia antes era a porta de entrada. Móveis, utensílios e tudo o que existia ali fora consumido pelas chamas; ele retornou, olhou as árvores próximas e elas estavam queimadas também; pareciam-se com enormes garranchos carbonizados colocados sobre o solo como uma obra de arte gótica da idade média.

O rapaz voltou e entrou na sala, procurou por um bom tempo em meio aos escombros até encontrar a lâmina de sua espada, cujo cabo foi destruído pelo calor; estava soterrada sob uma pequena montanha de entulho, entre blocos de concreto queimado, revestimentos de madeira e uma infinidade de outras coisas que ele não conseguia identificar. Após retirar a lâmina que tinha adquirido uma tonalidade diferente, queimada, e parecia mostrar um tom azulado misturando-se a cor de metal envelhecido; Alam recolheu o que restou de sua espada, aquele objeto era um dos símbolos do arauto, qualquer mago na cidade sabia disso e foi justamente por esse motivo que ele resolveu se desfazer de sua preciosa lâmina japonesa; o cabo estava perdido já não servia para nada, ele poderia muito bem recuperá-la por inteiro, conhecia um excelente artífice ferreiro que por uma boa quantia em dinheiro a deixaria nova em folha, mas isso não fazia mais parte de sua vontade.

Com a espada na mão ele saiu da casa e a contornou, chegou até a área de trás do imóvel, um lugar muito amplo e com o lago e a paisagem que juntos serviram para despertá-lo para a vida naquele dia esquisito quando acordou na casa de pessoas que até então eram estranhas.

O lago tranquilo parecia uma folha espelhada que em parte refletia o céu e em parte a luz do sol que a tocava, um vento manso soprava fazendo apenas pequenas ondulações nas águas. Alam se lembrou da antiga estória de Viviane, a fada, uma das sacerdotisas de Avalon conhecida como A Dama do Lago citada na bela saga do Rei Artur, uma das histórias mais conhecidas do mundo; ele mesmo possuía o livro que estava em alguma das caixas em seu escritório ainda não montado. No conto, a fada era a responsável por guardar e devolver nada mais nada menos do que Excalibur a lendária espada do rei.

Exatamente por causa daquela estória foi que Alam começou a se interessar pela arte do combate com espadas e propriamente por elas, embora tenha preferido a lâmina japonesa pelo pouco peso e rápida possibilidade de movimentação se comparada com outras.

Agora por uma ironia da vida ou uma providência divina que ele não entendia, o conto avalônico estava novamente em sua cabeça e ele, por sua vez, estava prestes a fazer como o personagem principal do relato, arremessaria a lâmina para que o lago cuidasse de ser o destino final dela.

Olhou bem para ela e depois com um movimento rápido reunindo toda a força que pôde em seu braço, arremessou a espada o mais alto e longe que conseguiu; a lâmina se fez ao ar e girou por alguns segundos descrevendo uma trajetória que foi acompanhada do início ao fim pelos olhos do rapaz. Por um momento ele se pegou realmente esperando que uma mão feminina surgisse no lago e agarrasse a espada antes que esta pudesse tocar as águas, mas logicamente nada disso aconteceu.

A arma caiu no lago levantando um pouco d’água no local do impacto e perturbando momentaneamente a aparente calmaria estabelecida ali, nada de fadas, sua vida já era repleta de coisas fora do entendimento da maioria das pessoas e mais uma não faria diferença, mas gostou de ter sentido aquela sensação infantil; sorriu. Poucos conheciam a real história por trás de Excalibur, mas ele conhecia.

Segundo se dizia: Julio César, talvez o mais conhecido imperador romano, mandou confeccionar uma espada em cuja qual havia o nome “CESARS CALIBUR”, guardou esta espada por anos e quando morreu a arma foi levada para um local desconhecido reaparecendo muito tempo depois para ser presenteada a um rei, porém, por estar velha parte das letras estava ilegível e somente “E” “S” “CALIBUR” mantinha-se visível; o tempo tratou do resto, mas essa era uma longa história que Alam não tinha tempo para rememorar.

Voltou para a realidade que teimava em mantê-lo preso, ainda tinha muito a fazer e agora sentia-se como se tivesse finalmente se livrado de sua última ligação com os atos praticado ainda sob o comando da antiga ordem; ficaria com a lembrança dos livros e das estórias, e esqueceria todo o resto.

Voltando para o carro, enquanto caminhava lentamente ele ligou para seu advogado e explicou parte do que tinha em mente; estava começando a providenciar todo o necessário para doar uma grande quantia em dinheiro para a família Ramos por conta da destruição do domicílio deles e o advogado ia cuidar de tudo junto ao banco por meio de uma procuração, em seguida, já dentro do carro, antes de dar a partida no automóvel ele também telefonou para o gerente do banco e o colocou a par de suas intenções. Gostaria muito de cuidar de tudo ele mesmo, mas tinha um longo e duro caminho para percorrer, caminho este que passava por lugares que já não queria visitar, como o castelo das labaredas e a torre vermelha; e que traria a seu encontro vários fantasmas, Cortez, Phyros, Vesúvio e Donovam. Não seria nada fácil.

Um táxi parou na frente da casa, praticamente ao lado da Mercedes de Alam e de dentro do táxi saíram Adalberto, Joana e Eliana; estavam voltando da chefatura de polícia. Alam baixou o vidro da janela e chamou por eles.

_ Ora! O que está fazendo aí?_ Perguntou o Sr. Ramos enquanto Eliana pedia ao taxista que aguardasse.

_Vim aqui apenas para cumprir algo que estava incomodando meu coração. Eu já estava indo até a delegacia para ver se vocês precisavam de alguma coisa.

Ele abriu a porta e saiu novamente do carro.

_ O que você fez?_Perguntou Eliana.

Alam explicou para todos eles o que tinha acabado de fazer com sua espada, e como sentia-se muito melhor agora que já havia se livrado da última amarra entre ele e seu passado.

_ Decidi renunciar tudo por completo, até mesmo nos detalhes._ Disse o rapaz.

Joana tomou a frente e falou:

_ É uma sábia decisão esta, na vida existe a certeza de que teremos de fazer escolhas e muitas delas vão representar renuncias. O bom é que nossas escolhas sempre sejam motivadas por amor, pois, com isso sempre haverá uma recompensa.

Naquele momento Eliana e Alam trocaram olhares tímidos, mas foi o suficiente para que os pais da moça percebessem o que estava começando a florescer entre eles.

O jovem aproveitou a deixa, sobre escolhas e renuncias, dada por dona Joana e pensou nas escolha que aquela família tinha feito ao acolhê-lo; já tinha ouvido eles falando a esse respeito mais não podia evitar pensar nisso.

A partir daquele momento ele explicou exatamente o que tinha acabado de conversar com o advogado e com o gerente do banco; disse tudo sobre suas intenções de doar uma quantia considerável para que a família pudesse se levantar novamente, reconstruir a casa ou até mesmo comprar outra; comprar novos móveis e acertar eventuais dívidas que surgissem no percurso.

No princípio a família relutou em aceitar, mas Alam estava irredutível e bateu o pé quanto àquela situação, não permitiria nem por um instante que eles pensassem que não teriam ajuda para dar a volta por cima. Depois de muito insistir ele acabou convencendo a todos.

_Mas Você tem certeza de que quer fazer isso?_ Disse Joana.

Adalberto entrou em seguida:

_ Não é necessário. Podemos cuidar de tudo sozinhos, temos algumas economias para emergências e pode levar um tempo, mas vamos nos reerguer.

Agora foi Alam quem falou para colocar um fim, de uma vez por todas, naquele debate.

_ Tenho absoluta certeza do que vou fazer, vocês vão receber o dinheiro que estou passando para suas mãos; isso vai tornar muito mais confortável esse momento incômodo que por minha causa vocês estão passando. Afinal, um homem não deve pagar por sua hospitalidade, e sim, ser recompensado por ela; vocês foram muito hospitaleiros comigo mesmo sem me conhecer e não serão prejudicados por isso.

Naquele momento, enquanto falava, ele se lembrou de uma frase interessante que tinha lido no livro sagrado tempos atrás; a frase era a seguinte:

“Não se esqueça da hospitalidade, porque por ela alguns, hospedaram anjos, sem saber”.

Por fim o arauto explicou que eles deviam ir até o principal banco da cidade e procurar por Brien LucGagnom, o gerente da agência; Gagnom trataria de organizar todas as coisas para eles, era um homem muito competente e já cuidava das finanças de Alam fazia três anos; esteve à frente e com muita presteza, da compra da nova casa do rapaz e também do novo carro, era uma espécie de viciado no trabalho, mas fazia tudo com muita dedicação, de fato, era apaixonado pelo emprego e um bom amigo.

_ Mas e quanto a você? Por que não vai lá conosco?

_ Já comuniquei a Brien e tudo já está muito bem encaminhado, ele já sabe o que fazer; enquanto isso vou terminar com mais algumas pendências que tenho para que nada do que aconteceu aqui com a casa de vocês volte a ocorrer.

Eliana achou aquilo um tanto estranho.

_ Não vá se igualar a essas pessoas._ ela pediu._ Você é melhor do que isso.

_ Fique tranqüila estou procurando fazer as coisas da forma mais pacífica possível.

Ele não diria para não despertar preocupação desnecessária, mas sabia que no fundo, o antigo professor queria sua cabeça em uma bandeja de prata.

A família voltou para o táxi e rumaram para a agência bancária indicada por Alam, eles não tinham idéia do valor total que seria depositado na conta deles, nem ele quis revelar ali, esperaria até que LucGagnom dissesse e ficou combinado também que ficariam em um hotel relativamente próximo da igreja até que a situação fosse resolvida.

O valor total que seria recebido por eles girava em torno de um milhão de dólares e Alam tinha pensado muito antes de tomar aquela decisão, mas sabia que era o certo a fazer. Adalberto era um homem com uma visão de mundo muito diferente das pessoas que ele conhecia, era uma pessoa muito consciente de questões como civilidade, boa conduta, humanidade, sociedade, unidade e educação; como a maior parte dos indivíduos canadenses, mas havia no amigo uma coisa que de certo modo faltava nos demais; uma espécie de amor fora do comum, um amor capaz de fazer com que ele abrisse mão de coisas particulares e até mesmo de direitos que possuía para ajudar outras pessoas. Havia também algo que Alam ainda não conseguia identificar, uma alegria intrínseca no modo de viver daquele homem, os espiritualistas da ordem chamariam de aura, mas ele sabia que não se tratava de uma mera aura; era algo muito maior, muito mais forte, muito mais vivo e muito mais nobre.

O fato era que sem dúvida alguma Adalberto e sua família não usariam todo o dinheiro em proveito próprio, era uma quantia por demais grandiosa e certamente conhecendo a índole daquele homem, Alam também sabia que parte da quantia seria destinada a instituições que precisassem, e até mesmo em melhorias e ajudas para as pessoas da congregação que ele dirigia. Não tinha dúvida, ajudar aquela família significava ajudar várias outras famílias e justamente aquela sensação estava trazendo um sentimento bom à alma do jovem; um sentimento de que agora sua vida estava verdadeiramente valendo à pena. Esperava, no futuro, poder se dedicar um pouco mais às boas obras, estava cansado de más ações, queria um pouco de redenção, além do que, aquele jeito amoroso e abnegado que seus novos amigos tinham como estilo de vida estava contagiando o coração e a alma de Alam; foi como se a alma dele risse no momento em que viu o sorriso de Eliana quando esta soube que obteria ajuda para reconstruir a vida.


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