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O Despertar. -- Capítulo 2



Abri os olhos muito devagar, a claridade estava incomodando-me, aos poucos recordei o que tinha acontecido. Meu corpo estava todo enfaixado, braços e pernas, eu ainda sentia a ardência dos cortes em minha face. Fui colocado em um quarto, pequeno, porém aconchegante e sobre uma cama macia com lençóis que continham um cheiro de flores do campo, acho que era lavanda.
De repente um homem entrou pela porta do lado direito, parecia ter por volta de cinquenta anos, com seus cabelos grisalhos e pele morena. Poucas pessoas no Canadá possuíam aquela tonalidade de pele. Ele pareceu assustado quando me viu acordado, mas no minuto seguinte mostrou-se feliz. Tentei falar, minha voz saiu rouca e inaudível, mais como um ruído qualquer.
_ Como você está?_ ele me perguntou.
Eu estava muito confuso, lembrava-me de ter saído das correntes impetuosas do rio Rideau e agora estava acordando naquele lugar, forcei minha voz novamente.
_Quem é você? Onde estou? Como cheguei aqui?
Aquele homem me surpreendeu quando sorriu afetuosamente com minha torrente de perguntas.
_ Não esquente a cabeça meu rapaz, você está em boas mãos. Achamos você na margem do rio, muito ferido três dias atrás e o trouxemos para cá.
Três dias! Eu havia dormido por três dias inteiros!
_ Me desculpe_ eu disse_ Como o senhor se chama?
_ Perdão_ respondeu ele_ onde estão meus modos? Meu nome é Adalberto Ramos, mas pode me chamar só de Ramos, se quiser, é assim que todos os meus amigos e conhecidos me chamam.
Ele sorriu novamente, e chamou por outra pessoa. Em pouco tempo uma jovem senhora entrou no quarto com uma bandeja repleta de guloseimas, algumas daquelas espantaram-me porque havia muito tempo que não conhecia alguém capaz de fazê-las.
_ Esta é minha esposa, Joana Maria Ramos_ ele recomeçou_ fique à vontade tome esse café que ela preparou, coma um pouco e recupere as forças, mas não tenha pressa para sair, você está muito debilitado. Nós estaremos por perto; qualquer insatisfação pode nos chamar ou se preferi podemos levá-lo ao hospital.
Joana colocou a bandeja de alumínio reluzente sobre a cama onde eu estava e, felizes, ambos deixaram o quarto, fechando a porta atrás de si.
Na bandeja estavam um pedaço generoso de broa de milho, eu nunca tinha conhecido alguém em todo o Canadá que fizesse tal iguaria, mas não era só isso. Havia também bolo de chocolate, tapioca e café com leite. Eu estava meio confuso, mas comi assim mesmo, depois coloquei a bandeja na pequena mesinha ao lado da cama e me recostei para descansar, minha cabeça estava latejando e eu ainda sentia o peso da materialização da magia no meu corpo.
Devo ter dormido mais um tempo e quando abri os olhos sentia-me um pouco melhor, levantei da cama mesmo contra a vontade de meus músculos e andei até a porta, abri e do outro lado se revelava um corredor com duas portas de cada lado e uma outra ao final, percebi que não estava mais com minhas roupas e sim com uma espécie de pijama, provavelmente era do Sr. Ramos, pois ficava largo em mim. Sai do quarto e avancei lentamente, passei a mão na maçaneta da primeira porta, forcei-a um pouco e a porta se abriu, tratava-se de um banheiro, pequeno, mas em ordem, fechei a porta e prossegui, a segunda porta estava trancada, a terceira estava aberta e aparentemente era o quarto do casal. Possuía uma cama grande, era recoberto com tapetes e cortinas; todos os móveis estavam dispostos de uma forma bastante harmônica, guarda-roupas, criado-mudo ao lado da cama, aliás, nos dois lados da cama que estava forrada e com almofadas adornando. Obviamente o senhor e a senhora Ramos gostavam de ler, pois sobre cada criado-mudo havia um livro, não resisti, entrei no quarto e fui até o livro do lado direito.
O livro estava aberto e com um marcador de páginas bem no centro, sentei-me sobre a cama e tomei o livro; de todos os livros do mundo que eu gostaria que estivessem naquele quarto, o que estava era justamente o único que eu pensava não poder me ajudar. A bíblia. Havia um texto marcado em que estava escrito:
“Não temas porque Eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço e te ajudo e te sustento com a minha mão direita fiel”.
Durante a maior parte da minha vida eu estudei aquele elemento; o fogo. Estudei sobre seu poder de destruição, sobre a forma etérea de sua composição e por fim fui iniciado nos círculos que cuidam da magia propriamente dita. Não foi nada fácil no princípio, as primeiras etapas da preparação tem como intuito levar o iniciado ao limite de suas forças físicas e mentais, felizmente meu aprendizado não havia sido ministrado por qualquer um, não, ele era o melhor e eu o venerava até três dias atrás, Donovam Draek, o grande, como ele mesmo costumava se intitular, aquele que usaria o poder das casas unificadas da magia do fogo para reduzir a pó todos os seus opositores, principalmente nossos principais inimigos os dominadores das águas, os servos dos mares, que expandiam seus domínios em todo o Canadá, por ser um país repleto de grandes lagos, mas não em Ottawa, aqui nessa cidade éramos nós que mandávamos e eu fui usado pela Ordem como o anjo arauto da unificação, fui investido de poder político para derrubar dogmas dos mestres das chamas e legislar sobre novas regras que em sua maioria me eram passadas pelo próprio Donovam, pois ele queria moldar a Ordem segundo sua imagem e vontade. Cacei um a um os marginais da nova lei instituída pela Ordem, desde os membros renegados até os inimigos declarados; comandei os exércitos do fogo nas incursões em outros países a fim de erguermos postos avançados, desafiei mestres conhecidos e desconhecidos de várias outras ordens e até mesmo da segunda vertente da minha própria Ordem; não questionei, não retrocedi, nunca mostrei deslealdade ou desrespeito. Por anos foi assim e meu tutor ganhava prestígio a cada dia, tal qual eu, que passei a ser chamado de Arauto ou discípulo de Donovam.
O sentimento de vingança estava queimando dentro do meu coração, não ficaria dessa forma, muito embora eu soubesse como terminaria, provavelmente a Ordem pensasse que eu estava morto, afinal já há três dias que estava desaparecido sendo cuidado por uma família de “bons samaritanos”. Eu não estava certo do que fazer, mas ouvia alto e claro na minha mente a voz da vingança dizendo: “Seu mestre matou você, a essa hora ele já envenenou todas as pessoas de dentro dos círculos com quem você podia contar e vai pedir outro discípulo, Vingue-se! Vingue-se! VINGUE-SE!”. Minhas mãos formigavam e começaram a se aquecer, tive medo de causar mal à casa daquelas pessoas e coloquei a bíblia sobre o local onde ela estava inicialmente, em seguida saí do quarto e continuei pelo corredor.
Caminhei pelos cômodos restantes, mas parecia não haver ninguém então fui para o quintal após passar pela cozinha; estava acostumado com as paisagens magníficas que Ottawa possui e até mesmo já vi as grandes paisagens do mundo, construídas pelas mãos do homem ou pelas mãos da natureza, as pirâmides do Egito e o vale dos príncipes, Stonerenge ou a Ilha de Páscoa, a grande muralha da China e a praça da paz celestial, o Corcovado e o Cristo Redentor, o lago Ness e vários castelos do norte da Escócia, o mont Blanc na Suíça, o Partenom, as chamas eternas do Monte Quimera, na Antália, sul da Turquia; os templos de fogo do Zoroastrismo em Teerã, Irã; e tantas outras maravilhas da natureza, mas por algum motivo quando sai daquela casa e olhei para o grande lago claro e gelado cercado por belas e altas árvores e por um campo verde que se estendia para o horizonte onde tocava o céu com algumas nuvens que reluziam ao toque da luz solar daquela manhã, algo dentro de mim se partiu, as palavras que tinha lido há poucos instantes retornaram para minha mente e não saíram mais, “Não temas porque eu sou contigo nem te assombres porque sou o teu Deus; eu te fortaleço...”.
Essas palavras vinham de encontro aos meus pensamentos mais profundos, pois meu grande medo era saber que depois de não aceitar mais ser a foice da Ordem Vermelha eu teria de enfrentar meu antigo mestre; talvez o maior mago dos dias atuais. Mas as palavras diziam para que eu não temesse e juntamente com aquela paisagem diferenciada estavam transmitindo-me uma serenidade que poucas vezes experimentei.
Por um curto espaço de tempo o espírito da vingança calou sua profana boca dentro do meu ser, e eu soube que aquele era o começo da maior batalha da minha vida.

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