Com passos firmes Donovam avançava; seu ar
altivo de sempre, sua postura ereta, nobre, roupas sofisticadas e extremamente
bem alinhadas; era um homem que fez fortuna e fama durante a vida por seus
próprios méritos e também com a ajuda da ordem, trazia na mão direita dois dos
seus maiores orgulhos, o anel de ferro, símbolo dos engenheiros no Canadá e o
anel do círculo menor de estudo da casa de Prometeu, colocado em seu dedo
mínimo; o anel de ouro maciço possuía a insígnia da chama mística roubada pelo
titã do monte Olimpo segundo a mitologia dos filósofos que criaram tal casa de
magia. Há três anos Donovam subjugou os membros dessa irmandade condenando-os a
prisão e se apossando dos antigos escritos da biblioteca localizada atualmente
na ilha de Creta; lembrava-se da batalha triunfal que fulminou com os líderes
da casa que agora lhe pertencia, seu arauto desafiando o poder dos magos gregos
e o desespero deles quando o viram juntamente com seu aluno dominar as chamas
antes que estas os consumissem.
Entrando pela grande porta encontrou do
outro lado colocados em forma de semicírculo os três tronos e assentados
estavam alguns dos grandes mestres; nenhum outro mestre das esferas
intermediárias tinha essa honra de reunir-se pessoalmente com os grandes,
exceto em caso de condecoração ou punição; o que não era o caso ali.
_ Sente-se Don_ iniciou Vesúvio, seu
ex-professor.
Donovam não costumava reverenciar ninguém,
mas logo que entrou fez uma cordial saudação com as mãos espalmadas junto ao
peito e em seguida tomou assento frente a frente com seu antigo tutor.
_ Preciso de permissão para tutelar outro
discípulo. _Começou afiado como uma navalha.
Todos os que estavam presente se
surpreenderam com a forma que ele havia falado, fria e duramente. Donovam não
queria outro aluno, desejava apenas comunicar formalmente o seu rompimento com
o arauto.
_ Mas onde está o Arauto? Ele está
realmente morto? _ Perguntou Vesúvio; sua voz ecoou pelo grande salão com
paredes de mármore vermelho e retornou ainda mais potente quase como um trovão.
Os outros professores limitavam-se a
observar, todos os olhares estavam dirigidos a Don e ele não deixava por menos
retribuía a todos com arrogância e força nas palavras. Ele sem dúvida era a
melhor cria que os magos do fogo conseguiram através de sua história recente,
mas era tão incontrolável e volátil quanto brilhante.
_ Alam não morreu, mas deve ser punido
pelo que fez. Ele coloca nossa integridade em perigo ao se recusar a proceder
da forma que eu ordeno; quero as sombras atrás dele e um novo pupilo.
O mestre que estava sentado à esquerda de
Vesúvio levantou-se, seu nome, Santorini “o doutrinador grego”; e Donovam pôde
ver que este segurava a katâna de seu ex-discípulo.
_ Donovam Draek!_ iniciou indignado_ Como
você pode de uma hora para outra querer exterminar seu melhor aluno, e quanto a
todo o tempo que você dedicou ao aprendizado dele? E quanto a todo o
investimento da ordem em tempo e dinheiro despendido? Santorini detestava o
antigo aluno de Vesúvio; considerava-o um fascista megalomaníaco.
Donovam passou levemente o dedo mínimo
sobre a testa e todos viram o anel de prometeu, em seguida antes que eles
falassem qualquer coisa ele tomou o controle do debate.
_ A casa de prometeu caiu há três anos
como todos vocês sabem, entretanto ninguém sabia que foi eu quem a derrubou;
todo o conhecimento que seus filósofos cultivaram pertence a mim segundo suas próprias
regras; este símbolo me concede prerrogativas extraordinárias dentro da ordem e
quero usar de forma a conseguir outro aluno. Não fui eu quem fez as regras, eu
só jogo. Vocês não podem se opor ao que ocorrerá e minha ascensão é inevitável,
mas não anseio um lugar de destaque na ordem porque isso eu já possuo, ou vocês
se esquecem que este templo maravilhoso foi concebido por minha mente, até
mesmo os grandes senhores das chamas sabem quem é Don Draek.
_ O que você sugere então._ Perguntou
Vesúvio recostando-se em seu trono.
_ Se me apoiarem nesse pequeno trajeto que
resta e derrubarmos a resistência da segunda vertente da ordem, todos os que
não se decidiram, e aqueles que não quiseram tomar partido na unificação dos
caminhos do fogo em um único regente terão que nos apoiar, teremos tanta força
política que seremos capazes de dobrar as grandes cidades como Milão,
Nurenberg, São Paulo, Lisboa, Amsterdam, Cidade do México, Madri e
tantas quantas se opuserem a nossa vontade.
O terceiro mestre se ergueu para tomar a
palavra.
_ Unificar as casas do fogo ao redor do
mundo é um passo que suas pernas não podem dar, existe muitas diferenças
doutrinárias e dogmas que nos acompanham durantes os séculos; muitos já
deitaram suas vidas em confrontos desnecessários e em combates que nunca deviam
ter acontecido.
Este último a se manifestar chamava-se
Juan Cortez, sobre ele repousava a autoridade de representar o fogo do vulcão
Teide da ilha de Tenerife; era o representante e responsável pelo avanço da
ordem em território Espanhol. Secretamente era o idealizador da vertente de
oposição ao absolutismo proposto por Donovam, mas nunca de maneira aberta, e
também havia sido ele quem tinha “envenenado” a cabeça de Alam contra seu
mestre.
“O que você acha que
vai acontecer quando Donovam conseguir impor seu regime imperial, mesmo que
ocorra o que ele diz e que nós possamos obter maioria nas grandes capitais do
mundo e possamos influenciar as nações segundo nossa vontade. O que virá depois?
Quem de nós vai sentar no supremo trono?
Vai começar uma guerra interna entre os membros; mestres e alunos se
digladiarão por glória e a ordem do fogo que deveria ser eterna vai ser
destruída pela ganância daqueles que a compõem. Pense bem jovem Alam, pelo
menos questione suas ordens e se você não quiser fazer isso pelo bem da maioria
então faça pelo seu, pois creio que você é um mago mais apto para tentar levar
as casas do fogo a uma era de paz, tal como fez aqui em Ottawa, não vejo a
ganância nem a arrogância de seu mestre em sua alma.”
Essa foi a última das conversas que Cortez
e Alam tiveram antes da batalha na torre vermelha, e ele tinha razão, Alam não
possuía nenhuma daquelas características abomináveis que eram marca na vida de
Don, entretanto, também não possuía a mesma força e astúcia inigualáveis que
tornaram-no tão conhecido ao redor do mundo.
_ Juan_ recomeçou Donovam_ a unificação é
o futuro e já começou em nosso meio, Ottawa já é um exemplo de cidade em que as
diversas casas de magia respondem a um só conselho das chamas, nossas diferenças
foram deixadas de lado pelo bem maior, a sobrevivência. São novos tempo estes
em que estamos, tenho informações de que todas as outras escolas, ordens e
seitas de grande porte estão rumando para uma unificação e enfrentando as
mesmas dificuldades que nós, porém se formos ágeis migraremos muito mais rápido
do que eles e seremos como um só, seremos titânicos e esmagaremos todos os
inimigos. Vamos governar sobre todos os continentes.
Vesúvio pediu a todos um pouco de
silêncio, em seguida passou a mão sobre a face e disse:
_ Os grandes mestres não veem seu métodos
com bons olhos, mas diante do anel da casa de prometeu tenho que concordar que
o modo usado por você tem sido eficiente. Deixarei sob suas ordens meu atual
aluno, minha sombra particular, vá! Leve Phyros com você, espero que haja
resultados. O tempo está próximo de findar-se.
Dizendo isto os três levantaram-se e
cobriram suas cabeças com os capuzes de seus mantos, em seguida se retiraram
sem pronunciar mais palavra alguma. Donovam mantinha seu ar altivo e imaginava
que já deveria dar uma lição em Juan Cortez por sua resistência aos novos
ideais, mas a reunião não foi totalmente infrutífera, afinal, agora todos os
outros saberiam que foi ele quem derrubou a casa de prometeu e a antiga chama e
todo o conhecimento estava sob seu poder; conseguiu também mais do que
desejava, pois tinha recebido comando para levar Phyros; O Carrasco.
***
O vento frio da manhã tocava levemente o
rosto de Alam enquanto ele permanecia sentado embaixo de uma grande árvore no
fundo do quintal da casa da família Ramos, sua mente estava em batalha contra
ela mesma e ele pensava em todas as coisas que ocorreram nos últimos dias desde
a conversa com Cortez passando pela batalha contra seu mentor até o momento em
que estava. Pensou diversas vezes em como sairia dessa situação, afinal
conhecia muito bem aquele que o ensinara durante tanto tempo. Sentado ali
naquele lugar calmo permaneceu por mais de meia hora até que uma voz suave
trazida pelo vento veio de encontro a seus ouvidos; virando-se Alam viu ao Sr.
Ramos.
_ Olá, Jovem como está?
Muito embora não soubesse o que dizer e
tudo o que ele queria era ficar sozinho o máximo de tempo possível, ainda assim
respondeu polidamente, pois devia pelo menos ser agradecido por ter sido salvo
das águas revoltas do rio.
_ Não sei ao certo como estou, mas só
preciso de um pouco de tempo para ordenar as ideias.
O anfitrião se aproximou um pouco mais e
Alam notou a Bíblia em sua mão.
_ Sabe_ iniciou_ enquanto você se
recuperava de seus ferimentos eu pensei em presenteá-lo, mas não sabia com o
que até que me veio à mente uma coisa que ganhei há muito tempo atrás; de graça
recebi e de graça darei a você.
Estendendo a mão com a Bíblia aquele
simples senhor esperou alguns segundos até que seu hospede resolvesse aceitar,
relutante, o presente.
_ Primeiro você salva minha vida, trata
meus ferimentos me hospeda em sua casa sem me conhecer e ainda me presenteia;
Por quê?
Sorrindo novamente e sentando-se ao seu
lado Adalberto respondeu:
_ Deus sabe a causa de todas as coisas, e
quando vi seu corpo desacordado se chocando contra as rochas simplesmente pedi
ajuda para algumas pessoas que estavam comigo e fomos em seu socorro. Depois
trouxe-o para minha casa porque sou responsável pelas vidas das pessoas que vêm
às minhas mãos.
Sem entender ao certo o que aquele homem
estava falando Alam se manteve escutando tudo embora estivesse muito ansioso.
_ Não importa muito se conheço ou não
aqueles que ajudo, minha missão é apenas ajudar tanto o corpo quanto a alma e o
espírito, conduzi-los à verdade.
A verdade; pensou o mago. Quantos têm suas
próprias verdades? Quantos fabricam suas próprias verdades? A verdade é um mito
e não uma realidade.
_ Sinto ter que dizer isso, mas preciso
voltar para minha vida ou ao menos tentar voltar, mesmo sabendo o que me
espera._ Alam colocou a bíblia no gramado ao seu lado e deitou-se, seu corpo
estava doendo_ Não posso fugir das minhas responsabilidades.
Adalberto olhava fixamente para ele,
durante mais algum tempo conversaram e às vezes somente olhavam para a paisagem
belíssima construída pela natureza naquele local.
_ O senhor sempre morou aqui?
_ Não, eu não sou Canadense; sou
Brasileiro, nascido em Taubaté, no interior de São Paulo, e minha esposa é de
Belo horizonte, Minas Gerais, nós nos conhecemos quando eu aceitei meu chamado
para partir em missão trazendo conforto aos que sofrem espiritualmente e aqui
estou a oito anos morando nesse magnífico país. Às vezes acho que há mais
cosias acontecendo do que nossos olhos podem ver, sabe, parece que de uns
tempos para cá a cidade sofreu mudanças, quase imperceptíveis, mas ainda sim
aconteceram._ Ramos sorriu mais uma vez meio sem graça_ Desculpe são apenas
sensações e não quero importuná-lo com minhas histórias sobre conspirações.
Pouco tempo depois estavam caminhando às
margens do lago parcialmente congelado e o frio incomodava um pouco a Alam,
embora já estivesse muito acostumado com o clima da cidade que escolhera para
morar quando trocou seu país natal pelo Canadá.
_ Sabe de uma coisa estranha_ disse o
jovem mago_ Também sou Brasileiro, mas deixei o Rio de Janeiro a mais de dez
anos, e viajei o mundo aprendendo sobre coisas que hoje vejo que não deveria
ter ocupado meu tempo; estou confuso, fiz muitas escolhas ruins em nome de uma
ideologia que presa um poder inalcançável para os homens._ respirando bem fundo
ele continuou quase com lágrimas nos olhos_ Seria melhor que você não tivesse
me tirado das águas revoltas do Rideau, teria feito um favor a muitas pessoas.
Estou cansado e sinto-me oprimido por pensamentos que não me abandonam nunca;
sentimentos que não deveriam povoar o coração de uma pessoa, entretanto, moram
dentro de mim.
_ Do que exatamente estamos conversando
agora?_ perguntou Ramos parando de caminhar e olhando fixamente para o jovem.
Alam passou as mãos sobre o rosto que
agora estava endurecido como se uma terrível angustia se abatesse em seu ser.
_Ganância, traições, conspirações,
“verdades”, vingança, fúria e ódio. É disso que estamos falando, não sou uma
boa pessoa e tenho que deixar você e sua adorável família antes que acabe
trazendo problemas.
Dizendo isso ele se virou de costas para
Adalberto, naquele momento surgiu em sua mão esquerda uma pequenina chama que
ganharia volume se não fosse sufocada a tempo por sua vontade.
_ Possuo muitos fantasmas me assombrando_
continuou o rapaz _ e creio que o melhor a fazer é retornar para minha vida
antiga e entregar-me completamente ao meu destino, se meu mestre ainda me aceitar
serei seu servo, senão, cairei sabendo que dei minha contribuição à causa.
Ramos não entendia absolutamente nada do
que o jovem estava pronunciando, com os olhos fixos no horizonte, mas sabia que
se tratava de algo muito sério. Com certeza aquele jovem estava passando por um
momento bastante conturbado e agora ele sabia porque Deus o havia trazido para
sua casa.
_Bem, sejam lá quais forem os problemas
que você está passando, eu creio que posso tentar ajudar, faço isso muitas
vezes e há bastante tempo, agora sei o motivo pelo qual Deus o trouxe até mim.
Agora quem riu foi Alam, pois já havia
notado que o bondoso senhor Ramos nada mais era do que um protestante; que era
a designação adotada pela ordem vermelha para aqueles que criam somente no Deus
único e em seu Filho, ou como dizia Donovam: “Os sem força”.
Alam conhecia parte do trabalho realizado por eles ao redor do mundo, mas não
cria realmente nas palavras da Bíblia, afinal já tinha visto muitas coisas e
possuía o que se chamava de “uma mente iluminada”, conhecia segredos que foram
escondidos na época do Egito antigo por pessoas também “iluminadas” e alguns
outros surgidos na antiga Grécia e Pérsia, como a materialização das forças da
natureza, por exemplo. A verdade era que tudo o que ele pensava agora era em
voltar para sua vida normal, seus afazeres, sua casa e sua fortuna. Embora
soubesse que uma mudança drástica deveria ocorrer, pensava em assumir
abertamente apoio a Juan Cortez e tentar assim impedir o avanço do absolutismo
de Draek “O dragão do Norte”.
Só não sabia como fazer isso sem ser
punido, pois como norma dos mestres do fogo para cada sábio havia um e só um
discípulo, ele era discípulo do lendário Donovam, ocupava um cargo de prestígio
e caso apoiasse Cortez e a segunda vertente estaria cometendo traição contra
seu mentor, isso colocaria sua vida em risco a menos que o próprio mestre o
liberasse de seu juramento feito durante a prova de fogo quando a sua chama
interior foi acesa.
_ Você é jovem e tem uma grande
contribuição a dar ao mundo, mas não a este mundo no qual você vive atualmente,
e sim ao verdadeiro onde pessoas precisam de alguém com sua bondade e coragem._
Ramos segurou as mãos do jovem mago e olhou seriamente em seu rosto antes de
continuar, Alam sentiu uma sensação estranha, mas não soube identificá-la._
Tenho duas coisas que não posso deixar de falar e a primeira é que eu pastoreio
uma igreja próximo do centro da cidade e gostaria muito que você viesse
assistir uma de nossas reuniões, aí sim sua vida vai mudar, é uma promessa; segundo,
acredito em você como pessoa, mas sua vida vai passar muito perto do fim.
Quando a tempestade passar, olhe para o céu e verá que Ele já olha para você há
muito tempo.
Alam não costumava desprezar palavras
direcionadas a ele, fora ensinado dessa forma e sabia que havia mais verdade
nas frases daquele homem que o tirara dos braços da morte do que nas
conspirações com as quais estava acostumado a lidar, entretanto com as
conspirações ele sabia como proceder, era terreno familiar. Não havia sido escolhido
entre os que passaram pela prova de fogo para ingressar no segundo círculo de
poder da ordem por puro acaso, possuía muita habilidade e sabia perfeitamente
disso, fazia parte da elite do segundo círculo juntamente com alguns
excepcionais iniciados.
Por um minuto eles se entreolharam e tanto
Alam quanto Ramos pareceram conversar sem usar as palavras, Ramos sabia que
aquele jovem era uma confirmação de suas convicções, e que mais cedo ou mais
tarde teria de estar pronto para ajudar quando ele chamasse.
_ Tenho que ir._ disse Alam._ Mas quero
que saiba que não esquecerei o que você e sua esposa fizeram por mim, tenho uma
dívida de gratidão com o senhor.
Fazendo sinal com a cabeça para que ambos
voltassem para dentro de casa Adalberto respondeu:
_ Sua dívida não era comigo, mas com
aquele que me enviou para ajudá-lo, felizmente Ele mesmo já apagou seu debito,
não posso dizer mais nada que não seja vá em paz e com Deus.
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