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O Espanhol -- Capítulo 8




Juan Cortez saiu pela porta da igreja juntamente com outros membros da congregação, ele estava, como sempre, muito bem vestido, mantinha seu característico ar indecifrável e a elegância de um toureiro; Alam não sabia se o mago havia gostado do que ouviu ali dentro ou se detestara, mas os olhos de Juan faiscaram quando encontraram o ex-discípulo de Donovam.

_ O que faz aqui?_ o jovem indagou realmente surpreso.

Juan meneou a cabeça de um lado a outro.

_ Procurando por você.

_E para quê?

Uma senhora idosa passou por eles e cumprimentando Cortez disse:

_Fique com Deus.

Ao que o mago respondeu no seu belíssimo idioma espanhol:

_ “Gracias Señora”.

Alam encarou o outro sem saber o que pensar, mas não podia demorar muito ali, tinha vindo conversar com Adalberto e sabia que sempre depois das reuniões ele ainda permanecia cerca de trinta minutos conversando com algumas pessoas que desejavam ter eventuais dúvidas esclarecidas.

_ Eu ajudei essa senhora a encontrar algumas passagens bíblicas esta manhã durante a reunião_ Disse o espanhol já prevendo qualquer questionamento.

Cortez era um homem extremamente educado e solícito, não só na ordem como também na vida e por vezes se colocou entre os planos do poder absoluto de Donovam, mas não foi morto pelo único motivo de que ele possuía muita força política junto aos simpatizantes da ordem vermelha em toda península ibérica e em grande parte da América do Sul, como Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Paraguai e vários outros.

Donovam sabia que dar um fim a Juan Cortez significaria rebelião contra a sua política ao menos na Espanha, em Gibraltar e em Andorra, seria provável que somente Portugal não aderisse de pronto à guerra de nervos. Este tipo de resistência demoraria um certo tempo para ser contido e tempo era algo que Donovam não queria perder, já tinha decidido e inclusive confidenciado para Alam que o espanhol cairia no momento certo.

_Precisamos conversar._reiniciou o espanhol.

_Não tenho mais nada para falar com nenhum de vocês._ rebateu prontamente, mas sem nenhuma hostilidade na voz.

Juan enfiou a mão direita no bolso do paletó que usava e retirou seus óculos escuro que levou aos olhos em seguida. Alam prestava a atenção no anel confeccionado em ouro branco e vermelho posto no dedo mínimo do mago cujo qual possuía a bandeira de Tenerife.

_ Estive em sua casa faz duas semanas e soube que está à venda, assim como sua Ferrari; dei alguns telefonemas, entrei em contato com seus corretores e acabei descobrindo onde você está morando, fui procurá-lo, mas novamente não o encontrei, em seguida coloquei algumas pessoas para localizá-lo e eles me deram também este endereço. Estou impressionado, uma igreja protestante?

Alam olhou ao redor, só eles estavam parados frente ao gramado. Adalberto ainda permanecia lá dentro do templo.

_Vamos_ disse o jovem retornando para o carro_ conversamos enquanto dirijo.

Juan o acompanhou.

_ É uma bela Mercedes essa aí; os Alemães sabem mesmo o que fazem, mas há quem prefira os BMW.

Ambos entraram no veículo e Alam deu a partida; foram rodar pelas ruas para que pudessem conversar de forma mais privada. Andaram nos primeiro minutos sem pronunciar palavra alguma até que finalmente Alam disse:

_ O que houve afinal?

_ Você acha mesmo que pode interromper dez anos de repente assim, simplesmente mudando o endereço e não aparecendo mais para cumprir com suas obrigações?_ o espanhol começou_ Você sabe muito bem que não é dessa forma, para alguém com o conhecimento que você possui; poderia expor as vísceras da ordem em questão de dias ou até mesmo de horas, com os contatos certos. Poderia citar nomes, identificar lugares e revelar segredos rituais.

Alam olhava fixamente para a rua na sua frente apenas ouvindo.

_ Veja a facilidade com que achei você, e não é só isso conheci muitas outras pessoas naquele lugar, pessoas boas e que não merecem ser envolvidas numa eventual caçada a um desertor.

Finalmente o jovem disse:

_Não pretendo fugir, só não sei ainda como me apresentar.

Alam estava diante de um dilema, pois se ele não voltasse a procurar a ordem e esta viesse a saber que ele continuava vivo certamente enviaria homens para localizá-lo e talvez até eliminá-lo, Juan estava certo, o jovem conhecia muita coisa sobre a ordem, muitas pessoas, muitos lugares e até mesmos fatos isolados ocorridos ao redor do mundo que tanto aos olhos da mídia quanto dos leigos foram encarados de forma natural, mas que tinham em seu centro a movimentação dos vermelhos; como o mais recente incêndio nas matas de Los Angeles, Califórnia, por exemplo. Alam conhecia muito da movimentação desses homens que estavam em praticamente todos os países do globo com pelo menos um mago e alguns dele até mesmo possuíam posições de destaque no cenário internacional, eram presidentes de ONGs, partidos políticos, multinacionais, intelectuais e muitos outros; é claro que nem todos possuíam tanta projeção assim, Alam também conheceu aqueles que pouquíssimas pessoas encontravam, por meio de contatos do seu antigo mestre, muitos dos magos mais reclusos, pessoas aparentemente comuns ocupando cargos de pouca expressão na mídia ou quase nenhuma. Eram professores, médicos, advogados, escritores, filósofos, sociólogos, teólogos, psicólogos e muitas outras atividades; por incrível que pudesse parecer, eram esses que detinham o maior conhecimento das artes mais antigas.

O próprio Juan Cortez ocupava um modesto cargo na administração do aeroporto de Los Rodeos, localizado em Santa Cruz-la Laguna na ilha de Tenerife, a maior ilha do arquipélago das Canárias pertencentes à Espanha. Ele geralmente viajava uma ou duas vezes no ano para outros países da Europa e ou Américas em busca de mestres reclusos da ordem a fim de aprender com eles, ou simplesmente viajava para desenvolver suas próprias técnicas e teorias; como acabou se destacando, foi trazido pela ordem para um conclave preliminar sediado no Canadá idealizado para que as partes europeias das casas do fogo pudessem expor sua visão sobre os avanços da irmandade. Juan acabou se tornando um dos mais relutantes membros quando o assunto era as ideias visionárias de Donovam.

Acabou estendendo sua estada em Ottawa por causa desse confronto de interesse, mas Alam sabia que na verdade Cortez queria mesmo era defender os seus próprios interesses; se ele conseguisse de alguma forma deter o avanço da unificação global dentro dos muros das casas do fogo então sem dúvida seu nome ganharia um prestígio com o qual nunca sonhara, seria elevado certamente a uma posição muito mais privilegiada e por conseqüência teria acesso a novos livros, novos círculos e muito mais poder político. Alam sabia que Juan Cortez não se tratava de um moralista defendendo vidas quando discursava contra Donovam e sim um mago que durante muito tempo não teve oportunidade alguma e que agora vislumbrava a chance de se tornar um dos maiores de toda a Europa.

_ Não há fuga para você._ falou de modo vago.

Alam engatou mais uma marcha no automóvel com um toque atrás do volante.

_ Então Donovam deve cair_ Disse o jovem.

A face de Cortez se iluminou com um sorriso, pois era exatamente o que ele pretendia fazer, colocar mestre e aluno frente a frente de novo; porque dessa forma poderia alegar aos outros membros se Alam fosse vencido e extinto que se nem o próprio aluno de Donovam concordava com suas ideias então, no mínimo, as casas do fogo deveriam ponderar por mais tempo, pedir mais esclarecimentos e protelar o máximo possível. Por outro lado, caso fosse Donovam o derrotado então Cortez teria tudo o que precisava para colocar todos contra Alam e finalmente sufocar essas ideias de unificação.

_ Há muito em jogo aqui meu jovem, não é só o destino da escola de magia de Ottawa, mas também de todo o Canadá e até mesmo o seu próprio.

Mas a mente do rapaz estava lutando contra tudo aquilo, já não queria mais fazer parte das batalhas e, além disso, todas aquelas coisas ele tinha deixado nas águas do Rideau, embora não tivesse ocorrido mudanças aparentes, Alam não era mais a mesma pessoa e tinha se arrependido de todas as coisas de seu passado como mago.

_ Posso lhe pedir um favor?_ recomeçou o rapaz_ Não sou mais mago, sou uma pessoa comum e não usarei nada mais que seja relacionado aos antigos estudos. Portanto não me trate como se eu ainda fosse um de vocês.

Cortez o encarou e o jovem prosseguiu.

 _ Diga a quantos você quiser que Alam não é mais nem aluno de Donovam, nem mago vermelho. Diga a todos que eu me tornei, depois de dez anos, apenas uma pessoa comum.

_ Um protestante?_ ironizou Cortez.

_Pense o que quiser, eu disse que Donovam teria de cair, mas não disse que serei eu a desafiá-lo. Possuo uma vida tão pacifica e feliz agora que até já consigo dormir de noite e não trocarei essa paz por nada; a ordem sempre me deu tudo, dinheiro, fama, conhecimento e muitas outras coisas, mas nunca me deu essa paz que sinto agora, embora eu demonstrasse para todos ao meu redor que tudo corria às mil maravilhas, só eu sabia das dores da minha alma quando deitava a cabeça no travesseiro sozinho no meu quarto; os pensamentos que me sobrevinham. Agora nos últimos três meses ganhei uma nova chance e uma nova vida com Deus, conheci a esperança, e a fé.

O espanhol estava realmente intrigado porque podia ver claramente a mudança de atitude que o jovem estava relatando, em seus gestos ele via a determinação, a convicção do que estava falando; realmente aquele era o mesmo Alam S. Plínio, mas estava mudado de alguma forma.

_Você sabe que eu represento metade dos interesses ibéricos da ordem, mas o que você não sabe é que quando seu antigo mestre se recusou a fazer parte do circulo interno, então eu entrei, e agora tenho a chance de provar para todos que Donovam não passa de um oportunista, não vou medir esforços para fazer isso.

_ Boa sorte_ disse Alam parando o automóvel junto à calçada em um outro ponto da cidade, razoavelmente distante da igreja.

Pela primeira vez desde que saíra das águas após a batalha na torre, ele se deu conta de que já não sentia nenhuma hostilidade contra seu ex-mentor, chegava até mesmo a sentir pena dele por estar tão envolvido naquele universo.

_ Então o que você vai fazer de agora em diante?_ Perguntou Juan.

_ Vou acertar toda a minha vida, e em seguida viajar para o Brasil, pretendo passar algum tempo no Rio de Janeiro, em Curitiba, em Recife e em Minas, ou seja, vou rodar um pouco.

_ Bem; caso você mude de ideia e queira se unir a mim, estou no mesmo hotel de sempre.

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