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Uma conversa com a Sorte. -- Capítulo 1




_Por que você não crê mais em mim?_ perguntou a mulher com voz de seda logo que se sentou.
_ Porque descobri a verdade; agora já sei quem você é.
Estavam sentados em uma escuna que navegava tranquilamente carregada de turistas e crianças pela Baia de Guanabara, RJ, em um passeio agradável à tarde.
_ Mas você acreditava em tantas coisas; o que houve?
Samuel levantou-se do banco em que estava enquanto via a belíssima paisagem do mar passando.
_ Sim, é verdade; durante toda a minha infância e adolescência acreditei em você e em tudo que falavam a seu respeito. Mas acabou.
A mulher permanecia parada e ficou inquieta, mas continuou com os olhos fixos sobre ele.
_ Se você me abandonar vai perder a chance de ganhar muitas coisas na vida._ ela disse também se levantando. E continuou._ É tolice abandonar a Sorte, posso ficar para sempre ao seu lado.
Samuel estava cansado de tudo aquilo, sabia que a sorte não era confiável e a única vontade real que ela possuía com aquela voz doce era uma incontrolável vontade de enganá-lo e aprisioná-lo como a tantos outros antes dele.
_ Fui alcançado, já não faço mais parte das suas tramas.
Dentro da escuna as pessoas, felizes, acenavam para outras que passavam em barcos e lanchas menores, as crianças pulavam de um lado para outro e a guia do passeio anunciava no microfone que estavam passando em frente ao aeroporto Santos Dumont, de onde estavam decolando os magníficos monomotores que participavam de uma corrida de aventura denominada “RedBull Air Racer”; era a primeira vez que esse evento internacional estava sendo realizado no Rio de Janeiro, mais precisamente na enseada de Botafogo. E com certeza a escuna passaria próximo ao evento, turistas e moradores da cidade estavam encantados não somente com a beleza do Rio visto de dentro do mar como também com a habilidade mostrada pelos pilotos com as belas manobras aéreas em sua disputa particular.
A Sorte olhou para as pessoas que estavam no barco, eram homens, mulheres e crianças de todas as idades e lugares.
_Mas que sorte!_ diziam alguns deles sem saber quem os observava tão de perto.
Voltando-se para Samuel ela falou:
_ Está vendo? Ninguém pode existir sem a sorte ao seu lado, é uma questão de sobrevivência. Uma lei universal.
Ele retrucou:
_ Até pode ser; mas isso só se aplica àqueles que não conhecem a Verdade.
Ela acariciou com a mão direita os longos cabelos castanhos enquanto dois aviões passaram voando rasante poucos metros acima do barco.
_ E que verdade é essa?_ Ela perguntou com uma ironia não muito disfarçada na voz.
_ A verdade é que eu conheci Deus, como nunca pensei que poderia conhecer e com isso comecei a descrer de algumas coisas fúteis do meu passado.
_ Ora você é um tolo_ falou enquanto ria_ eu conheço Deus, e é através da minha ação que Ele se manifesta; quantas vezes já lhe disseram isso?
Samuel olhava para o céu e para o mar, sentindo a velocidade com que os ventos sopravam naquele ponto do passeio, nunca havia navegado antes e como aquela era a sua primeira vez estava sentindo uma sensação de liberdade; a escuna estava passando em frente à Escola Naval Brasileira.
A voz nos alto-falantes da escuna dizia:
“Com a vinda da Família Real para o Brasil, a Academia Real de guardas-marinhas desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, trazida a bordo da nau Conde D. Henrique. Instalada primeiramente no Mosteiro de São Bento, lá permaneceu até 1832...”._ Era o que a guia do passeio falava em seu microfone desenrolando o fio da história diante de todos que estavam a bordo.
_ Não! Não é através de você que Ele se manifesta; isso e um engano forjado por você e seus irmãos séculos atrás para manter pessoas cativas aos seus desígnios; felizmente muitos já estão acordando do seu feitiço, e eu sou mais um.
_ Mas quem pode ter lhe contado algo sobre Deus que eu não saiba? E lhe dito toda essa história sobre mim? Assim até parece que sou má.
Agora foi Samuel quem sorriu.
_ Quem me disse estas coisas foi o próprio Filho Dele. Meu Salvador.
O semblante da mulher se fechou mais do que de costume e numa atitude rápida e estranha ela olhou para o céu.
Novos aviões se aproximavam fazendo giros no ar como se fossem gaivotas. Mas o olhar da Sorte mirava além das nuvens.
_ Ouça_ ela recomeçou_ se você continuar comigo posso mudar sua vida, sou uma deusa assim como meus irmãos e onde Júpiter, Odin, Amon, Baal e tantos outros falharam, eu tive sucesso; conheço as pessoas desde a criação; alguns eu ajudo e outros não, é assim que funciona; o universo precisa de equilíbrio e eu tenho o poder de decidir a quem quero favorecer.
Todos dentro da escuna olhavam maravilhados com a paisagem ao fundo; o Aterro do Flamengo com toda a sua beleza.
_ Está escrito: "Fará um homem deuses para si que, contudo não são deuses?"_ foi a resposta dele; e continuou._ Você ludibriou a mim como vem ludibriando todos no mundo há muito tempo, para que os homens façam de você uma deusa em suas vidas. Nunca mais entregarei o controle da minha existência nas suas mãos.
A embarcação estava parada a fim de que todos nela pudessem aproveitar ao máximo possível à paisagem e o toque do vento que soprava incessantemente. As crianças acenavam para todos os lados, principalmente quando os aviões passavam fazendo seus números de acrobacias com extrema destreza.
_ E o que vai fazer? Viver sem a Sorte? Que tolice. Você não sabe que para tudo na vida é preciso um pouco de sorte? Nunca ouviu dizer que a sorte acompanha os vitoriosos?
Samuel rebateu falando:
_É o que dizem, mas não creio mais nisso.
Ela se aproximou dele e ele continuou falando.
_ A sorte; quero dizer, você, não é a única maneira de uma pessoa viver; agora sei disso. E nem a mais sábia. O fato é que é a fé que acompanha os vitoriosos, não a sorte.
O Sol da tarde em contato com as águas reluzia como ouro em conjunto com o céu amarelado e parecia formar um caminho dourado até o horizonte.
Samuel saiu andando no meio das pessoas em direção à frente da escuna; duas meninas aproveitavam para documentar o passeio por meio de fotos que tiravam em todos os momentos com seus telefones.
_ Nunca conheci alguém que não queira ter a seu lado o auxílio dos deuses; tanto eu quanto meus irmãos ajudamos a humanidade desde os primórdios e continuará assim para sempre. É assim que você nos agradece? Sua ingratidão me desaponta.
A Sorte tinha começado a jogar do único modo com o qual podia; blefando, pois durante toda a história muitos homens renunciaram sua “ajuda” ou domínio; entretanto era verdade também que um número esmagadoramente maior, inconsciente ou deliberadamente entregava suas vidas nas mãos ilusórias dela todos os dias, na esperança de que algo de muito bom acontecesse, como uma mala de dinheiro caindo dos céus; literalmente, ou receber um grande prêmio de loteria que acabasse com todos os seus problemas, quem sabe ter a sorte de encontrar um esposo ou uma esposa perfeitos. Coisas desse tipo.
Ela iludia a todos quanto podia com seus sonhos, sussurrando tais coisas e por fim as pessoas perdiam excelentes oportunidades de desfrutar plenamente de uma vida equilibrada para permanecer depositando suas esperanças em falsos sonhos que nem lhes pertenciam. Era assim há mais de cinco mil anos e por toda a terra.
Reinos surgiram e sumiram, impérios foram erguidos e derrubados, homens e mulheres ganharam e ou usurparam fama e poder através dos séculos; deuses foram cultuados nas mais diversas partes da terra; as areias do tempo corriam apressadamente enterrando toda a vida e suas vaidades debaixo dos céus; tudo se modificava constantemente desde o início, porém a Sorte e seus irmãos; Azar, Acaso e o Destino permaneciam aprisionando as mentes e os corações de nações inteiras das mais diversas formas. Pouquíssimas pessoas reivindicaram conversar com ela como Samuel estava fazendo naquele momento; algumas pessoas tentaram enfrentá-la em várias épocas diferentes, e pior, sem conhecer as palavras do Filho de Deus, que era, e ainda hoje é, a única coisa capaz de libertar verdadeiramente das correntes da Sorte.
_Digo-lhe mais_ recomeçou o rapaz_ Vou levar a Verdade a outras pessoas e elas enxergarão a mesma Luz que eu enxerguei.
_ Deixa eu ver se estou entendendo. Você quer me enfrentar?_ Perguntou a Sorte, voltando a ficar feliz.
O rosto dela não mais estava com o semblante carregado e agora uma alegria transparecia-lhe na face.
Já haviam passado pelo Pão de açúcar, pela Fortaleza de São João, pela Fortaleza de Santa Cruz e agora estavam frente ao magnífico Museu de Arte Contemporânea de Niterói, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. As crianças gritavam porque julgavam estar vendo uma nave espacial.
_ Disco voador!_ Gritavam enquanto seus pais tiravam fotos.
A guia informava os dias e horários de visitação do museu e Samuel, com os braços cruzados, olhava da popa da embarcação sem se importar com o balanço produzido pelas ondas.
_Não vou desafiá-la_ disse ele se virando para a mulher_ principalmente porque já sei que você foi derrotada juntamente com todas as potestades que possam existir, quando Jesus Cristo, que agora é o verdadeiro Senhor da minha vida foi levado à cruz há mais de dois mil anos; não tenho que vencer você, já foi feito, estou apenas assumindo algo que me diz respeito.
A sorte não gostou do que ouviu, mas reconhecia quando as coisas não saiam como ela planejava e uma de suas maiores habilidades, aquela de que mais se orgulhava era a sua erudição; ela conhecia muito bem a humanidade, quantas pessoas tiveram aquele tipo de conversa com ela ou com seus irmãos, mas com o tempo tornavam atrás em suas convicções, se desviavam do Caminho, retornavam implorando e entregavam novamente a vida às mãos das Potestades. É claro que ela fazia questão de cercar estas pessoas de todas as formas, assediando-os, seduzindo-os dia após dia e tentaria fazer o mesmo com Samuel. Se retiraria agora para lutar em outra oportunidade.
Samuel não voltou a dirigir palavra alguma à Sorte e sentou-se para apreciar o restante do passeio; estavam passando frente à Ilha Fiscal que ficou conhecida por ser o local escolhido para o “último baile do império” em 9 de Novembro de 1889.
Depois de alguns instantes Samuel olhou de um lado para outro buscando com a visão a mulher com quem tinha falado durante todo o passeio, mas a Sorte havia se retirado; desaparecido como que por encanto. Ele sabia que ela tentaria voltar trazendo outros mais perigosos, mas estaria preparado.

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