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Epílogo.



Todas as noites, era a mesma coisa; eu entrava no meu quarto e a escuridão do lugar parecia pouca se comparada a escuridão dentro de mim; o dia inteiro eu passava tranquilamente, conversava, brincava com os colegas de trabalho, fazia absolutamente tudo normalmente; mas sabe aqueles momentos em que você se vê sozinho e aí parece que tudo aquilo que passou durante o dia não serviu para nada. Pois é; era exatamente assim que eu me sentia; e pior, sem o menor motivo. Mas não conseguia evitar.

Eu olhava para frente pela janela de minha casa e embora tivesse uma vista consideravelmente bela diante de mim, não via nada além de sombras; e estas sombras não estavam apenas na minha frente, elas estavam também no meu futuro, dentro da minha mente, obscurecendo meus pensamentos e sufocando sem piedade os poucos sonhos que teimavam em nascer.

Por quase dois anos isso ocorreu e eu não sabia como me livrar daquelas sensações. Foi então que resolvi tomar uma atitude tola e drástica; certa noite quando liguei a televisão sem perspectiva real de assistir algo bom, ao mudar de canais acabei vendo uma coisa que me chamou a atenção; um homem vestido com um terno azul muito bem alinhado, cabelo bem cortado e repartido de uma forma que não é mais comum vermos, principalmente na televisão. Este homem estava no final do que parecia ser um sermão, hoje sei que aquilo era uma pregação, mas ele disse a seguinte frase: “Sai da tua terra e do meio da tua parentela e da casa de teu pai para uma terra que te mostrarei”. Não ouvi mais nada do que ele disse, aquela frase mexeu comigo de uma forma que eu nunca tinha experimentado, percebi que era aquilo o que eu devia fazer, abandonar tudo e sumir; eu não sabia, mas ali começava a mudança na minha vida, mesmo comigo agindo de forma atabalhoada e sem muito entendimento.

Larguei todas as coisas que possuía e fui embora, eu simplesmente desapareci do meio em que vivia; juntei as economias que tinha em minha conta bancária e viajei sem a intenção de voltar, nesta viagem minha vida mudou por completo, quando as coisas simples passaram a fazer sentido para mim.

Resumidamente foi isso o que aconteceu:

Havia, em certo lugar que visitei, um homem tido por todos na região como muito sábio, falava-se que em outros tempos quando este ainda era um jovem aventureiro, lançou-se pelo mundo à procura de um tesouro que fosse maior do que todos que já ouvira falar. Um tesouro que fosse formado por muito ouro e todo tipo de pedras preciosas que a natureza pudesse formar, além de algo que conferisse poder, autoridade, sabedoria e alongasse a sua vida por décadas sem fim.

Procurei saber sobre os relatos que eram contados sobre ele, e, os mais antigos falavam sobre as jornadas que aquele sábio teve em terras dominadas por califas, vizires, marajás e sultões, que lhe renderam histórias magníficas e inacreditáveis sobre seus confrontos contra os gênios das areias de desertos em partes inóspitas da terra, embates contra legiões de seres escravos de necromantes no velho continente, batalhas que duravam meses a bordo de naus em mares sombrios, revoltos e tempestuosos próximos à barreira do universo; “O derradeiro limite náutico do planeta”; oceanos repletos de criaturas dantescas onde dormem os próprios Leviatã e Kraken; embates nas entranhas da terra, no seio de vulcões contra raças que a humanidade ainda hoje desconhece e uma miríade de tantos outros feitos grandiosos e honrados em lugares utópicos cuja maioria das pessoas que nasceu neste planeta somente viu em seus mais delirantes sonhos; assim como o relatado pelo próprio poeta Alighieri em seus três romances líricos.

Quanto mais aventuras este homem vivia mais ele descobria que existia para ser vivido; a ampulheta do tempo derramava seus finos grãos de areia a cada estação e a vida ficava cada dia mais curta dentro do peito daquele homem. Ele resolveu que se entregaria até o fim por sua busca particular, ou acharia seu tesouro pessoal ou não valeria mais a pena voltar para sua terra derrotado na busca que se propusera a empreender.

O fato é que um dia ele retornou; vivia modestamente, com simplicidade e com recato em uma casa que pertenceu a seus pais e aos pais de seus pais antes deles; este sábio possuíra realmente uma grande quantidade de riquezas, embora nunca se valesse delas para se pôr acima dos outros, pelo contrário, se tornou filantropo e mecenas na região onde morava ajudando financeiramente a muitos que precisavam. Gostava muito de contar os relatos de todas as suas experiências e estes contos transcenderam os limites de seu pequeno povoado, logo, andarilhos do mundo inteiro vinham até ele para que este lhes revelasse os caminhos por onde havia percorrido e como poderiam alcançar a sabedoria, a riqueza, a vida sem fim e todos os tesouros oníricos.

Pois bem; certa vez um jovem sedento por respostas chegou à casa do sábio atrás das mesmas respostas que tantos outros e antes de encontrá-lo ficou abismado com o local onde morava; os salões eram repletos de quadros, cimitarras, frascos com líquidos coloridos, tapeçarias antigas, cerâmicas e tantas outras coisas, mas não havia exagero ou extravagância, tudo era perfeitamente harmonioso em sua simplicidade.

_ Sábio ancião_ iniciou o jovem aventureiro; concluindo._ Ouvi dizer que o senhor já esteve na fonte da qual brota a sabedoria eterna, e que já viu montanhas e montanhas formadas por blocos de ouro puro e maciço. Quero ir a estes lugares, adquirir sabedoria tal como a sua, enriquecer, achar um coração que bata no mesmo compasso que o meu, me apaixonar pela dona dele e retornar para minha terra vitorioso em minha busca exatamente como o senhor fez.

O sábio, agora idoso, carregava um livro nas mãos e prestou muita atenção ao que o jovem falava, provavelmente lembrando-se de sua própria vida muitos anos no passado.

_Sim, é verdade_ respondeu_ Vi montanhas de ouro, ouvi o canto das sereias como Ulisses em sua odisséia, estive em palácios ao redor do mundo, falei com “deuses” e com titãs, engalfinhei-me com bestas-feras, combati as legiões do abismo, caminhei pelos campos Elísios, escalei as mais altas montanhas para libertar povos, lutei próximo dos portões do Tártaro, conheci Changrilá, Alâmut, Damasco, Jerusalém e por fim encontrei a mais bela flor no jardim repleto de belas flores que são as mulheres, casei-me santamente com ela e retornei sem encontrar o que procurava. O que você quer que eu te faça?

O jovem não entendia a natureza da pergunta, tampouco podia acreditar que o ancião não tivesse encontrado o Tesouro dos tesouros, pois era evidente que ele possuía muitas riquezas; seu rosto denunciava que já era muitíssimo avançado em dias e sua fama correu o mundo sobre sua sabedoria adquirida após “A jornada”.

O jovem falou:

_ Quero ir aonde você foi, ver o que você viu e receber o que você recebeu; almejo sabedoria, riqueza e vida para sempre.

Sorrindo o ancião recomeçou:

_ Na juventude tudo parece maior do que realmente é; quando eu deixei minha cidade natal, meus parentes, meu povo, para me lançar na jornada, eu não possuía nada e sai deste lugar apenas com este livro que carrego agora nas mãos, o legado de meu pai para mim e do pai dele para ele.

Mas o jovem pensou estar sendo testado pelo sábio e insistia:

_ Quero a sabedoria, quero riquezas e quero vida sem fim._ Falava decidido.

_Muito bem então_ rebateu o sábio_ tome meu livro e siga o caminho que mais lhe parecer agradável, eu só recomendo que antes de qualquer coisa você leia ao menos a primeira frase no topo da primeira página e então decida o que fazer.

O ancião se virou para deixar a sala enquanto o aventureiro abria o livro para averiguar. O jovem leu e sem saber ao certo o que dizer perguntou:

_ O que significa isso? Eu já conheço esse livro, ele também existe na minha terra.

O velho falou por sobre os ombros enquanto saia da sala:

_Neste livro está o caminho para a vida eterna que você tanto deseja, a fórmula para adquirir riquezas materiais, espirituais e toda a sabedoria que um homem precisa para viver cem vidas em uma.

O novato estava confuso e o ancião já tinha saído, quando de dentro do livro um pequeno pedaço de papel caiu; ele o resgatou do chão e leu as palavras escritas pelo sábio:

“Não importa o quão longe você vá, quanto tempo você viva ou quantas coisas você faça e adquira; pois o fim da jornada é sempre igual ao princípio. Do pó viemos e para o pó iremos voltar. O que possuo; possuo por causa das aventuras que vivi, foi o caminho que escolhi; você é livre para trilhar o mesmo caminho ou procurar o seu; mas faça isso sabendo que o tesouro que procura já está em suas mãos, assim será poupado de muito sofrimento e rapidamente aprenderá sobre a plenitude em todas as coisas da vida. Se você aceitar o conselho de um velho tolo, eu lhe digo para amar a Deus acima de todas as coisas e a todos os que o rodeiam, quer os mais próximos, quer os mais longínquos, quer os bons tal como os maus; aja desta forma e já terá alcançado o tesouro. Nas páginas deste livro estão O Caminho, A Verdade e A Vida; Deus o abençoes.”

O jovem aventureiro era eu. E li novamente a primeira frase na primeira página do livro desta vez em voz alta; e estava escrito assim:

“O primeiro livro de Moisés chamado Gênesis”.

Foi assim que eu me converti; a partir daquele dia tomei conhecimento do que chamo de farsa das potestades, decidi voltar para minha vida e vivê-la da melhor forma que eu conseguisse; embora isso nem de longe fosse parecido com a grande saga vivida por aquele sábio, mas sei que é a minha saga e estou satisfeito com ela. Todos os dias faço tudo ao meu alcance para superar o anterior, não porque estou vivendo para mim, mas sim, porque daquele momento em diante estaria vivendo para Deus. Assim comecei outra etapa, e com ela vieram os confrontos contra esses seres, disfarçados em sentimentos e situações, tentando quebrar minha fé e minha esperança, procurando esfriar o amor verdadeiro que brotou em mim; depois de um certo tempo decidi procurar alguém que pudesse escrever ainda que resumidamente estes fatos para que pessoas possam ser ajudadas.

Se prestarmos a atenção poderemos vê-los em ação por todas as partes e horas do dia, tentando nos influenciar de muitas formas diferentes e é justamente contra estas influências que tenho me levantado já há quase três anos; espero que de alguma forma tudo isso seja útil.


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