Quando ainda estava na sede da firma de
engenharia de Ontário, o telefone tocou; Donovam sentado na cadeira de seu
escritório aproveitava o tempo vago para examinar, na tela do computador,
alguns gráficos de desempenho da firma, inspecionava o andamento de alguns
processos e verificava cláusulas de novos contratos adquiridos recentemente.
Mas a cabeça dele estava em outras tarefas; aguardaria o retorno de Devon para
se dirigir até em casa, recolher alguns papéis importantes e coisas que
precisaria para embasar seu pedido de início nos trâmites de unificação.
De repente o telefone tocou. Ele atendeu.
Um homem do outro lado passou toda a
situação que estava acontecendo no Labaredariuns, identificou-se como sendo um
partidário leal e informou com alguns detalhes sobre a interpelação de Vesúvio,
que foi ordenada por alguns dos mais antigos depois da denuncia formal
impetrada por Cortez e que seria prontamente acolhida e posta em ação por
Santorini. Este, aliás, que veladamente sempre apoiou ao mago espanhol, mas
nunca admitiu abertamente, Donovam o classificava como um covarde, mas um
covarde astuto, perspicaz e oportunista.
O informante falou também sobre o
propósito de intervenção pelos meios normais; tanto Vesúvio quanto Donovam e
Mattheus seriam denunciados às autoridades civis competentes e teriam que se
defender das acusações de tentativa de assassinato e a própria ordem, sob o
manto de uma instituição particular transnacional de fachada também acionaria a
justiça, processando-os por conspiração. Os três acusados teriam de responder
nos tribunais, sob o risco de terminarem presos por um longo período e ainda
teriam de dar explicações convincentes a um conselho nada amigável que seria
formado; algo como uma inquisição.
Este conselho convocaria membros de outras
nações, renomados conhecedores dos preceitos e regras mais antigos da ordem, em
sua maioria juízes; conhecidos dentro dos círculos pelo nome de Doutrinadores;
Santoriri era um deles, mas nenhum doutrinador pode agir por si só, somente em
condições tais como aquelas quando a ordem ou um membro renomado da ordem
atribuía acusações sérias a outro membro.
_ Ainda há muitos que acreditam na
unificação Grão Donovam e estamos dispostos a tudo _ disse o mago do outro lado
da linha.
O dragão do norte era tratado também com o
título de honra, “Grão”, de Grão Mestre; título este que ele havia se auto
aplicado e todos os que compartilhavam de suas idéias achavam magnífico aquela
titulação, porque ele seria o primeiro da nova linhagem de líderes,
teoricamente sucedido pelo arauto, mas com a desonra e desistência de Alam o
lugar estaria vago para o futuro e muitos ambiciosos magos iriam pleitear tal
cadeira.
O fato era que Donovam estava sendo
avisado da reviravolta nos fatos, os ventos da batalha começavam a soprar
terrivelmente contra e logo tudo sairia do controle. Ele emudeceu por um
instante.
Sem o arauto para traduzir as loucuras e
devaneios do professor, aparar todas as arestas e pontas soltas que o mentor
com sua ganância desenfreada deixava pelo caminho, algumas das casas menores
que inicialmente estavam apoiando não topariam comprar uma briga com os antigos
e certamente iriam se abster de qualquer batalha, fosse, nos meandros das leis
e dos dogmas da ordem, fosse por meio de uma rebelião de fato.
_ Grão mestre._ Reiniciou o outro_ Se o
senhor me permite observar, precisamos de um ícone, precisamos de algo que
concentre nossas forças, algo que seja tão significativo que inspire todos os
seus correligionários a lutar pela unificação, ainda que por meio de uma
rebelião.
_ Diga a todos os fiéis que esperem
notícias minhas_ A voz saiu baixa, mas não vacilante.
Donovam bateu o telefone imediatamente,
sabia de tudo aquilo, precisava pensar rápido, precisava criar uma situação
capaz de reverter o aparente movimento que se iniciava contra ele na balança da
vida. Algo tão grandioso que movesse corações e espíritos de todos os seus
partidários e sacudisse as estruturas da ordem de uma vez por todas; mas só uma
coisa lhe ocorria com força suficiente para desencadear essa guerra e motivar
os seus a lutar até o fim. Sacrifício.
No princípio das divagações e idealizações
sobre a unificação Donovam teve lampejos mentais de uma cena como essa, sabia
que em certo momento as coisas poderiam exigir uma medida como aquela e também
para isso ele vinha preparando seu melhor aluno, não era o que ele desejava,
mas estaria preparado se fosse preciso.
Tinha planejado como plano “B” um
sacrifício do arauto, mas somente em último caso e se tudo o mais estivesse
perdido. Por muitas vezes Alam tinha perguntado ao mestre como uma parte pode
desafiar o todo. E Donovam sempre respondia: Com ambição, vontade e sacrifício.
Mas agora Alam já não o seguia mais e não
restava ninguém com peso moral e estratégico suficiente para ocupar o lugar
dele nessa derradeira tarefa, a não ser um. Ele mesmo o próprio Donovam.
O tempo era muito importante naquele
momento, Donovam tinha de tomar uma decisão que poderia mudar tudo ao redor, já
sabia qual era, mas tinha que preparar as coisas para tornar tudo grandioso.
Resolveu ir para seu refúgio particular,
mas não sem antes avisar ao arauto onde ele poderia o encontrar, sabia que as
coisas conspirariam para que eles terminassem a batalha da torre.
Donovam fechou os olhos e disse:
_ Alam. Estarei no Palácio do Dragão.
Essa era a forma metafísica de
comunicação, uma técnica desenvolvida por mestres, mas não era usada pelos
sacerdotes do fogo, Donovam aprendera quando entrou em contato com outras
escolas da magia; e a dominava muito bem.
Após chamar seu ex-aluno para o encontro,
deixou a sala e o prédio o mais rápido que pôde, passou pelas pessoas nos
corredores sem cumprimentar ninguém e no estacionamento pegou o carro e saiu em
disparada para o refúgio; sabia que ninguém o encontraria lá, mas no caminho já
com o plano formado na mente, tratou de ligar novamente para vários
companheiros ainda leais e informar que esperassem instruções dentro de um dia.
Eles deveriam aguardar e no dia seguinte
ir até o Palácio do dragão onde veriam algo grande e sem retorno. Eles veriam
os corpos de Alam, o arauto, e Donovam, ambos sem vida, esse era o plano, mas
Draek não revelou, deixaria que os outros descobrissem no devido tempo.
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