Dois dias se passaram e Alam ficou
novamente hospedado na casa da família Ramos, não queria dar trabalho a
ninguém, mas Adalberto insistira muito. Os pensamentos ainda muito
desencontrados e conflitantes incomodavam o jovem a cada hora do dia e tudo o
que ele podia e conseguia fazer era permanecer trancado no quarto de hospedes
sem coragem para encarar seus anfitriões nos olhos.
Na primeira noite o sr. Ramos esteve com
ele conversando algumas coisas sem importância apenas para que o rapaz se
sentisse bem; o rapaz estava em um dilema e queria retirar o peso de seus
antigos atos como arauto da ordem vermelha de sobre seus ombros, mas não sabia
como; ele pensava em contar parte das coisas que vivenciara a Adalberto e ver o
que ele diria, mas temia assustá-lo.
Na segunda noite Adalberto bateu na porta
para tentar estreitar mais a relação de amizade que estavam construindo meio
que ainda sobre alicerces frágeis.
_ Entre._ disse Alam_ A porta está aberta.
Alam estava sentado na cama repetindo o
mesmo ato que fizera nos últimos dias; ele lia a pequena Bíblia que ganhara de
presente, entretanto ainda não entendia muito bem o que estava escrito, o que
era um verdadeiro espanto; porque se tratando de uma pessoa de grande
inteligência como Alam, um jovem que estudara durante anos conceitos antigos e
complexos em línguas mortas, transcritos em livros velhos e empoeirados com
caligrafias e simbologias terríveis de se decifrar. Uma pessoa que possuía uma
capacidade mental tão desenvolvida que era capaz de materializar um elemento
primordial da natureza somente por sua força de vontade; um jovem que
conversava de igual para igual qualquer assunto que fosse proposto, quer
referente à política, economia, magia, história, literatura, religião e tantos
outros temas sem nenhum embaraço e de forma erudita. Era realmente espantoso
pelo menos para ele que não estivesse compreendendo as palavras do único livro
que pensou que nunca leria.
_ Como você está? Sua leitura está boa?_
perguntava Adalberto realmente interessado em saber.
Alam fechou cuidadosamente a Bíblia e
repousou-a sobre a cama.
_Estou muito melhor, mas não consigo
entender o que está escrito.
Embora ambos estivessem vivendo há tempos
no Canadá e falando fluentemente o idioma local, o livro estava escrito em
português, língua materna dos dois.
Adalberto perguntou:
_ Seu português está sem uso? Se quiser
posso ler para você ou conseguir uma no idioma Inglês ou Francês?
Mas na verdade o português dele estava
impecável, como se nunca tivesse saído do Brasil, o problema eram as
implicações espirituais contidas em cada sentença de palavras.
_Não é isso, meu português está ótimo; o
problema é que minha mente esta forjando coisas que não compreendo quando
leio._ falou meio envergonhado.
Adalberto se aproximou um pouco mais:
_ Deixe-me ajudar._ falou recolhendo a
Bíblia de cima da cama e abrindo para ler algum trecho.
Mas Alam já não aquentava mais tamanho peso
na consciência e para não enlouquecer acabou despejando algumas palavras sobre
o Sr. Ramos.
_ O senhor acredita em magia? _ perguntou.
Adalberto encarou o hóspede de forma
séria, mas não o suficiente para assustá-lo, pois sabia que rumo a conversa tomaria
a partir daquele momento.
_Sim, é claro. Respondeu.
_ Não estou falando de magia praticada por
pessoas sem preparo, amadores; estou falando de domar a vontade da natureza por
intermédio da força de vontade humana.
Adalberto pensou um pouco antes de responder,
nunca alguém tinha feito uma pergunta como aquela antes, e na verdade ele
também não havia presenciado durante a vida nenhum tipo de manifestação deste
modo; muito embora, no fundo sempre soubesse que era possível.
_Repito minha resposta_ Falou firmemente_
Eu nunca vi nada disso ocorrer, mas creio que seja possível.
A partir daquele momento Alam contou-lhe
com riqueza de detalhes o que tinha acontecido nos últimos encontros com
Donovam e contra o Carrasco; falou-lhe sobre as casas do fogo existentes na
cidade de Ottawa; falou sobre a batalha pelo supremo trono, as vertentes da
ordem, a magia elemental do fogo, o aprendizado sob o qual foi submetido
durante anos da vida, sobre as batalhas contra as ordens rivais; os magos do
mar, do ar, da luz, dos ventos, os necromantes, as escolas menores; tudo
pormenorizado. Nunca pensou que faria isso um dia, mas em pouco mais de três
horas Alam discorreu sobre vários segredos dos quais era o portador; nomes de
pessoas influentes não só no Canadá, mas principalmente no Brasil, na América e
na Europa; as ligações políticas da ordem, as celebridades envolvidas ao redor
do mundo, as formações de pequenas irmandades, os planos de expansão, a guerra
pela unificação.
Ele fez uma pequena pausa e mergulhou
novamente no assunto, tratando agora sobre as artes místicas, os livros
antigos, as simbologias, a mente humana, a mente elemental, a mente universal,
etc...
Pouco a pouco diante de Adalberto caíram
as máscaras que escondiam segredos tão óbvios que seria impossível que por si
só ele ou alguém descobrisse, naquela noite Alam quebrou todos os juramentos
que já fizera na vida e expôs a face dos magos, mas ele sentia que sua alma
estava pesada demais e se não falasse não duraria mais um dia.
_Sinto meu espírito pesado, muito pesado;
acho que não há mais salvação para mim._ Disse por fim.
No seu interior, o Sr. Ramos estava ao
mesmo tempo abismado e feliz; abismado porque não podia imaginar que um jovem
com praticamente metade de sua idade já possuísse tamanho grau de envolvimento
com entendimentos como aqueles e com magia da forma como Alam estava. E feliz
porque agora seria a hora do renascimento do rapaz.
Adalberto riu afetuosamente e Alam não
entendeu.
_ E se eu falar para você que é possível
livrar-lhe de seu espírito pesado e de todos os pecados que você já cometeu na
sua vida.
_Eu não acreditaria._ respondeu
prontamente o jovem mago.
_Ora vamos; você já creu em tantas coisas
na vida, não quero te empurrar dogmas religiosos, nem filosofia alguma, ao
contrário, quero mostrar a saída, a Verdade; e para isso quero que acredite no
que vou dizer a seguir:
_ Há muito tempo atrás, um homem foi
confrontado, e para que o povo de sua nação soubesse a verdade sobre uma
confraria de magos que os iludia constantemente com regras cruéis em nome de
uma entidade da mesopotâmia, cujo nome era Baal. Este homem chamado Elias
desafiou-os a todos.
Esta irmandade de sacerdotes exigia do
povo sacrifícios de sangue e fogo, de modo que crianças eram imoladas, sendo
queimadas em altares para reverenciar a este suposto deus. Esse episódio ficou
conhecido como o desafio épico do Monte Carmelo; montanha na costa de Israel,
de onde se pode ver o mar mediterrâneo e próximo de cidades como Haifa, Nesher
e Tirat Hakarmel.
Alam Já havia estado em Israel, mas não
conhecia a cidade de Haifa, pois ficara hospedado no excelente hotel Dan
Panorama de Tel Aviv, praticamente de frente para o mar mediterrâneo. Alam
jamais se esqueceu da suntuosidade daquele hotel. Ele sabia que as cidades eram
próximas, mas nunca fora à outra. Gostara muito de Tel Aviv. Porém fez poucos
trajetos ou passeios além do caminho do hotel para o aeroporto Ben Gurion.
Adalberto continuou:
_ O lugar onde este embate aconteceu é
ainda hoje chamado de El-Muhraqah, que significa: “Lugar Que Recebeu Fogo”;
fica localizado a sudoeste do Monte Carmelo. O desafio consistia em: Os
sacerdotes do falso deus Baal aprontariam um sacrifício de um animal que
deveria ser morto e preparado segundo as regras do seu culto, este animal seria
colocado sobre um altar e todos os sacerdotes ali presentes invocariam seu deus
pedindo que ele os concedesse fogo para incinerar o animal ofertado.
O sr. Ramos parou um minuto e sorriu
divertidamente antes de continuar o relato, mas Alam ouvia a tudo muito atento.
_Eram quatrocentos e cinqüenta sacerdotes
de baal pedindo que surgisse fogo sobre aquele altar para consumir o bezerro
que fora colocado, mas durante horas a fio eles gritaram e nada absolutamente
ocorreu. O povo da nação de Israel estava observando a tudo aquilo, e
finalmente chegou à hora de Elias, fazer o que deveria ser feito; depois de
preparar para si um outro bezerro ele arrumou a lenha tal como os outros
sacerdotes e pôs o animal sobre a lenha, não satisfeito, ainda jogou água sobre
tudo aquilo de modo que encharcou o lugar e bastou ele elevar seu pedido a Deus
então do céu surgiu fogo que consumiu tanto a água, quanto a lenha e o bezerro.
Alam coçou a cabeça sem saber o que dizer,
sem expressão alguma na face.
_Então você está dizendo que um homem
sozinho invocou fogo quando quatrocentos e cinqüenta magos não conseguiram?
Inconscientemente Adalberto concordava
meneando a cabeça; e disse:
_O que estou dizendo é que aquele que é o
dono do fogo foi o que respondeu enviando o elemento.
O jovem mago estava se sentindo de certa
forma confortado por ver que o senhor Ramos queria de algum jeito ajudá-lo,
porém sabia que não era assim tão fácil a coisa.
_ Você diz isso porque não conhece Donovam
Draek nem a ordem dos magos vermelhos._Falou o rapaz.
_ Mas conheço Deus, e só isso me basta meu
jovem; o que lhe contei é a mais pura verdade, e se você, esse tal Donovam e
tantos outros homens podem de alguma forma que não compreendo invocar e ou
dominar o fogo como você diz, não importa o quanto vocês já tenham estudado
para fazê-lo de forma artificial, porém o fogo, assim como tudo que existe
neste mundo foi criado por Deus e a verdade é que aqueles que de Deus são
filhos têm o poder e a autoridade sobre toda a criação, por intermédio do
grande nome do Cristo.
Meio contrariado por tudo aquilo que
Adalberto Ramos estava dizendo Alam não teve dúvidas, afinal já estava
encrencado com a ordem e uma acusação a mais não faria diferença alguma. Iria
mostrar uma simples técnica de materialização.
Pedindo que o seu anfitrião se afastasse
um pouco Alam estendeu a mão com a palma voltada para cima e, concentrando seu
pensamento; tornando toda a correnteza de imagens, vozes e frequência em uma
fina linha que fluía de sua mente para a mente da natureza; Alam ordenou que a
realidade se rasgasse e em sua mão brotasse calor.
Abismado Adalberto ramos viu o exato
momento em que bem no centro da mão daquele rapaz uma labareda surgiu e
bruxuleou rapidamente, depois foi sufocada e desapareceu quando o jovem fechou
o punho.
Alam olhava para dentro dos olhos
petrificados e maravilhados de seu mais novo amigo, mas esperava outra reação e
não a que se seguiu.
O senhor Ramos sorriu bem alto
mostrando uma felicidade bastante sincera.
_ Mas que maravilha!_ ele disse._ Você tem
um talento incrível.
_ Não é talento, e sim anos de estudos,
muita disciplina mental e comprometimento espiritual _ rebateu, e continuou_
qualquer um pode fazer isso desde que seja iniciado no caminho do fogo e estude
bastante.
Adalberto permanecia feliz.
_ Não garoto; não quero desfazer do grande
sacrifício que você empreendeu estes anos todos, mas sustento; agora sei que
você é a pessoa certa para combater este mal chamado Donovam, entretanto devo
dizer-lhe somente mais algumas coisas...
***
_ Eu acabo de ter uma iluminação_ falou
Donovam calmamente após um gole de vinho Brunello di Montalcino Riserva 1970.
A lareira estava acesa em seu escritório
particular no centro da cidade, em um dos prédios mais altos; onde ficava
localizada sua firma de engenharia e arquitetura. Da janela era possível
avistar o magnífico hotel Fairmont Chateau Laurier com seu formato de castelo
medieval em estilo gótico.
Sua mesa estava abarrotada de papéis e
projetos e em frente à mesa o executivo chefe de operações da firma de
engenharia de Ontário, onde Donovam Draek exerceu durante muito tempo o cargo
de CEO, Diretor Geral.
Este mesmo executivo sempre quis ser
tutelado por Dom Draek, que por sua vez não o considerava preparado para ser
iniciado no caminho do fogo; embora fosse um excelente arquiteto e empresário,
além do mais, Donovam não queria mais saber de ter alunos, no fundo ele sabia
que havia esculpido o melhor dos alunos, Alam; mas sabia também que o
sentimento de humanidade dentro de seu ex-discípulo o tornava fraco para os
objetivos de unificação das casas e escolas de estudo da magia do fogo.
_ E então Draek?_ Perguntou o executivo
engravatado sentado na macia cadeira em frente à mesa de Donovam.
O mestre continuava saboreando sua taça de
vinho, e logo após degustar mais um gole falou:
_ Vou mandá-lo para uma missão; você vai
fazer uma busca.
Entusiasmado o outro perguntou:
_ Em nome da ordem?
_Não. Em nome da firma.
_ Oh! É claro._ respondeu o executivo meio
contrariado.
_ Use seus contatos e descubra para mim
onde meu antigo discípulo se escondeu, comece pelo seu antigo domicílio e vá
expandindo o raio da busca, não poupe esforços, quero essa informação o mais
rápido possível.
O outro homem embora alguns anos mais
velho do que Donovam, o admirava pela forma com que ele tomava as decisões, a
classe com que fazia todas as coisas e por isso almejava entrar para a Ordem.
Donovam disse:
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